segunda-feira, 16 de março de 2009

Imprensa Alternativa


A luta para continuar independente
Por José Reinaldo Marques

Publicado em http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=591 , acesso em 02/09/2005

Do ponto de vista histórico, a imprensa alternativa no Brasil surgiu com os movimentos de oposição criados pela esquerda e como proposta editorial alternativa aos veículos da grande imprensa, acusados de defenderem os propósitos da minoria burguesa em detrimento do interesse público. Mas, afinal, qual é o verdadeiro papel da imprensa alternativa brasileira? Nos anos 60 e 70, durante a ditadura militar, nasceram no Brasil jornais, como O Pasquim (1969), Opinião (1972), Movimento (1975) e mais adiante Em Tempo (1977), que faziam um jornalismo corajoso de oposição por entender que seriam um contraponto à grande imprensa que era acusada de ter colaborado e se beneficiado com o Golpe de 64, além de não oferecer aos leitores um noticiário independente e crítico ao regime imposto ao País. Ao analisar esse período, o jornalista e professor Perseu Abramo (1929—1996) escreveu um ensaio intitulado “Imprensa alternativa: alcance e limites”, em que ressaltava o caráter polêmico do tema, por ser difícil “caracterizar com precisão o papel da imprensa alternativa dos anos 60. (...) No sentido estrito do termo, essa imprensa nunca foi de fato alternativa à chamada grande imprensa ou imprensa burguesa”, porque os leitores não dispensavam a leitura dos grandes periódicos, como Correio da Manhã ou o Jornal do Brasil para se contentar com a leitura de Opinião ou Movimento.
Na opinião do veterano Alberto Dines, diretor do Observatório da Imprensa, quem começou a estabelecer o modelo de imprensa nanica de oposição no Brasil foi o jornalista José Maria Rabêlo, nos anos 50, com o jornal Binômio, em Minas Gerais, que investia contra o Governo de Juscelino Kubitschek e que teve boa aceitação pública: — Hoje não há imprensa alternativa, o que existe é a mídia alternativa, a partir dos lançamentos dos sites, blogs etc. Acho muito difícil se conseguir traduzir em termos contemporâneos as experiências dos anos 60 e 70. Nós do Observatório da Imprensa, em 1994, chegamos a pensar em lançar um jornal, mas percebemos que seria inviável financeiramente e optamos pela publicação eletrônica que está no ar desde 96. Para o Presidente da Associação para o Desenvolvimento da Imprensa Alternativa (Adia), Achille Lollo, é preciso fazer uma distinção entre o que era a imprensa alternativa há três ou quatro décadas e os veículos que circulam no presente: — No passado, alguns desses jornais foram considerados alternativos porque formavam uma opção à grande imprensa que circulava no regime militar. Por isso, a fragilidade tecnológica, organizativa e financeira se superava com o espírito de militância. Aquela imprensa alternativa morreu não só pelas difíceis condições de trabalho devido à censura, mas, sobretudo, pelos altos custos de produção. Lollo acha que o golpe fatal foi dado após o processo de democratização do País, quando os grandes grupos de comunicação começaram a cooptar os melhores jornalistas e gráficos daqueles jornais: — Isso fez com que as pequenas e médias publicações ficassem cheias de dívidas e sem jornalistas brilhantes para produzir edições interessantes e continuar atuando de fato como uma imprensa alternativa. A Adia foi fundada no Rio em maio de 1996, no momento em que era fechado o tablóide semanal Nação Brasil, publicado com o fundo do sindicato dos petroleiros: — Tínhamos como proposta editorial construir um órgão de imprensa alternativa independente e de esquerda, cuja função social seria assessorar e apoiar todos os projetos de imprensa elaborados por entidades do movimento popular. O semanário Nação Brasil acabou virando Jornal Nação Brasil e, depois, Revista Nação Brasil, que hoje circula com outras duas publicações trimestrais: Critica Social e Conjuntura Internacional. Discriminação A maioria dos proprietários ou editores-chefes de veículos de pequeno e médio porte acha que um dos graves problemas que enfrentam é o preconceito do mercado publicitário. O jornalista Ricardo Rabêlo, diretor do carioca Bafafá, afirma que isso não mudou com a democratização do País: — Muitas vezes, sequer somos recebidos pelas agências. Acredito que, por desinformação ou falta de visão, elas ainda não perceberam o filão que representa o mercado alternativo.
Achille Lollo, por sua vez, diz: — Durante o regime militar, existiam dezenas de jornais alternativos. Hoje, em plena democracia, a ditadura de mercado engoliu as publicações, enquanto as grandes redes de TV e os jornais ligados a poderosos grupos de mídia receberam empréstimos superfacilitados do BNDES. Quando era Ministro das Comunicações, o Gushiken foi muito claro com os representantes dos veículos Brasil de Fato, Caros Amigos, Correio da Cidadania e Reportagem, que foram pedir anúncios do Governo Federal em 2002: “Se quiserem publicidade, devem apoiar o Governo!”Para tentar reverter esse quadro, Lollo conta que os representantes da imprensa alternativa encaminharam em maio de 2004 ao deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) — eleito com o apoio da mídia alternativa e advogado dos jornais Opinião e Movimento no período da ditadura — um documento reivindicando o direito de concorrer às verbas publicitárias do Governo: — Infelizmente, este foi um dos tantos documentos que foram para o Congresso e lá morreram. Não sei o que o Greenhalgh fez com o documento, nem se este ainda existe. O deputado alega não ter recebido o documento e promete remetê-lo para a Secretaria de Comunicação ou o Ministério das Comunicações se ele chegar às suas mãos, pois acha justa a reivindicação dos meios alternativos: — É preciso democratizar o acesso às verbas publicitárias oficiais. Os jornais alternativos e populares têm direito a receber esses recursos.
Legislação
Beatriz Bissio, diretora da Cadernos do Terceiro Mundo, confirma “a discriminação asfixiante” sofrida pelas publicações classificadas como alternativas. Segundo ela, a revista atravessa um momento de dificuldade: o último número circulou em junho deste ano: — Acho que devíamos ter aqui a mesma ferramenta jurídica de países como Argentina e Uruguai, onde uma legislação específica regula a distribuição da publicidade oficial. O Estado é obrigado a distribuir verbas publicitárias entre todos os meios de comunicação e os critérios que contam são aspectos regionais, de tiragem e de tempo de atuação no mercado. Beatriz espera que essa situação seja apenas momentânea e afirma que a Editora Terceiro Milênio, responsável pela revista, não vai abandonar o projeto, “até porque são inúmeras as manifestações de lealdade por parte de leitores e assinantes”. — Eles dizem que há um vazio deixado pela revista e, até o ano que vem, esperamos recuperar a periodicidade mensal.
A Cadernos do Terceiro Mundo foi criada por jornalistas foragidos das ditaduras instaladas na América do Sul nos anos 70 e lançada em Buenos Aires, em 1974, por Neiva Moreira — exilado brasileiro —, Beatriz Bissio e dois argentinos, com uma proposta editorial de abordar não apenas questões latino-americanas, mas também de países da África e da Ásia que lutavam contra a colonização. Diz ela: — Tínhamos matérias sobre as guerras de libertação em Angola e Moçambique, os conflitos no Oriente Médio e a resistência ao apartheid, na África do Sul. E falávamos da América Latina para latino-americanos que, de certa forma, desconheciam aspectos importantes da própria realidade, devido à censura e à falta de elos de comunicação na região. É perfeito chamar a ótica com que tratávamos os assuntos de alternativa, pois nossa visão era contrária a muitas das bandeiras defendidas pelos grandes veículos de comunicação.
Contraponto
Em São Paulo, Nilton Viana, editor-chefe do semanário Brasil de Fato, de circulação nacional, diz que os jornais independentes — como prefere chamar — surgiram da necessidade de os movimentos populares terem os seus próprios meios de comunicação: — Na luta por uma sociedade justa, fraterna e igualitária, a democratização dos meios de comunicação é fundamental. No nosso jornal, o principal objetivo é justamente fazer o contraponto aos veículos capitalistas. Lançado em 25 de janeiro de 2003, no Fórum Social Mundial de Porte Alegre, o Brasil de Fato começou a circular oficialmente em 8 de março do mesmo ano e hoje alcança a tiragem de 50 mil exemplares. A redação funciona com um editor-chefe, quatro editores, quatro repórteres, uma secretária de redação e três estagiários, além de contar com colaboradores no Brasil e no exterior. Nilton é otimista em relação à qualidade jornalística dos veículos alternativos. Para ele, “a esquerda brasileira conta com os melhores profissionais de imprensa do País”. — No Brasil de Fato, organizamos o que chamamos de comitês de apoio, que constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados em cada Estado — já os temos em 20 — e funcionam como agências de notícias e divulgadores do nosso produto editorial. Sem eles, ficaríamos restritos ao eixo Rio—São Paulo, reproduzindo a tradição da mídia capitalista. A idéia é que no futuro, quando circularmos diariamente, esses comitês se transformem em sucursais.
Visão crítica
Arthur Cantalice — 80 anos de idade e há 22 colunista do Correio da Lavoura, semanário de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense — tem uma visão muito crítica em relação aos veículos alternativos. Para ele, a grande maioria tem baixa qualidade editorial e funciona sem profissionais. A culpa, diz, é dos donos desses jornais, que geralmente alegam não ter condições financeiras para remunerar jornalistas: — Muitos colunistas acabam cumprindo o papel dos repórteres, função que há muita gente exercendo sem ser do ramo. São professores, médicos e gente de outras profissões que escrevem sobre assuntos ligados às suas atividades.
O próprio editor do Correio da Lavoura, Robinson Belém de Azeredo, herdou o jornal da família — seu avô, Silvino de Azeredo, fundou o Correio da Lavoura 88 anos atrás — e não é jornalista: — Ele escreve bem, mas nunca trabalhou em outro jornal, não conhece o dia-a-dia de uma redação — diz Cantalice. — Acho que hoje o principal desafio da imprensa alternativa é a profissionalização; só assim ela poderá fazer um jornalismo de qualidade. No entanto, é um objetivo difícil de ser atingido, porque os veículos não contam com o interesse dos seus proprietários, que só pensam na arrecadação de verbas oficiais e põem o jornalismo em segundo plano. Em tese, ele acredita que, de modo geral, os jornais independentes não sabem aproveitar o direito assegurado pelo estado democrático para expor o que é preciso sobre o processo político e outros assuntos de interesse público: — Infelizmente, os donos de pequenos jornais não se convencem de que não se deve trocar a opinião pelo anúncio. Neste aspecto, saúdo o Correio da Lavoura, que ainda mantém a sua tradição crítica.
Qualidade
A teoria da baixa qualidade editorial dos jornais de médio e pequeno porte, ressaltada por Arthur Cantalice, não é integralmente aceita por vários colegas que atuam no mesmo seguimento. Beatriz Bissio, por exemplo, considera difícil a sobrevivência de veículos que põem os interesses pessoais dos proprietários acima do interesse social. No quesito qualidade, ela ressalta que só há sobrevivência no meio de comunicação se houver conteúdo. Cita também a importância dos jornais de bairros, que, apesar de muitas vezes serem feitos de forma amadorística, abrem espaço para debates sobre os problemas que afetam grande parcela da população: — Vale lembrar que eles surgiram antes que a grande mídia se apropriasse dessa boa idéia e usasse seu poder para entrar nesse segmento, ao descobrir que havia aí um potencial muito grande e um mercado onde se expandir.
Luiz Falcão, diretor de redação do jornal A Verdade, de Pernambuco, diz que, apesar das dificuldades que os independentes enfrentam, é impossível falar da história da imprensa brasileira sem falar no segmento alternativo: — O que houve após o fim do regime ditatorial foi que muitos jornalistas que trabalhavam nos jornais independentes se incorporaram aos grandes periódicos e isso enfraqueceu esse segmento da imprensa.
A Verdade, segundo Falcão, foi lançado há cinco anos com inspiração no extinto Movimento e a proposta de ser um órgão a serviço da emancipação da classe trabalhadora: — Nos primeiros números, sofremos muito. Tínhamos muita vontade, mas faltava experiência. Felizmente, nunca tivemos que recolher uma edição. Com tiragem de 7 mil exemplares e circulação mensal, A Verdade é lido principalmente por universitários, secundaristas e trabalhadores. Como estratégia de propaganda e distribuição, são montadas brigadas de vendas do jornal nas portas de fábricas: — No Rio de Janeiro, temos uma boa venda nas metalúrgicas. Realizamos três brigadas por mês e também contamos com uma rede de militantes que vendem o jornal em suas vizinhanças e seus locais de trabalho.
Monopólio
Carlos Lopes, diretor de redação do Hora do Povo, lançado em São Paulo em 1979, não gosta de usar o termo alternativo para classificar os jornais que estão à margem das grandes empresas de comunicação. Para ele, é natural que as várias tendências que existem na sociedade tenham veículos próprios: — O que não nos parece natural é a existência de um monopólio de mídia uniforme e comprometido com interesses antinacionalistas, antidemocráticos e antipopulares. Ele destaca que a década de 60 “não foi exatamente a do surgimento de um jornalismo alternativo”, mas a do esmagamento da imprensa nacional e popular que havia antes de 1964, “sobretudo da Última Hora, cuja herança temos como referência”. — Os integrantes do cartel da mídia defendem interesses opostos aos do povo e do País. O jornal Hora do Povo circula às segundas e quartas-feiras, com tiragem média de 50 mil exemplares por edição, e também sofre com a falta de recursos, segundo Carlos Lopes: — A falta de recursos — isto é, o monopólio do dinheiro em mãos de certos órgãos — certamente é um problema, mas não afeta nossa qualidade; é, especialmente, um obstáculo à ampliação da distribuição e da tiragem.
MercadoRicardo Rabêlo, do Bafafá, concorda que as barreiras a vencer são as da comercialização e da profissionalização: — Para ser sincero, não há mercado de trabalho na imprensa alternativa e a comercialização no setor é complicada. Hoje sou 70% empresário, 30% editor. E, por enquanto, não vejo grandes perspectivas de crescimento.
Ricardo é filho do jornalista José Maria Rabêlo, criador do jornal Binômio, de Minas Gerais, fechado pelos militares no golpe de 64 e considerado um dos precursores da imprensa independente brasileira. Segundo ele, o Bafafá nasceu “da ausência de veículos de opinião no Rio e seu nome foi proposital para criar polêmica em torno de temas da cidade, do País e do mundo”. O tablóide mensal não tem redação ou folha salarial, apenas colaborações, e seus 10 mil exemplares circulam nas Zonas Sul e Centro do Rio, em Búzios, no litoral fluminense, em Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília: — Somos um jornal de esquerda não sectário que quer debater as mazelas da sociedade — enfatiza Ricardo.

Passado e futuro
Os espírito combativo dos anos de chumbo, em que surgiram títulos como Movimento e Opinião, parece resistir. Apesar dos desafios, muitos editores acreditam na recuperação e sobrevivência da imprensa alternativa, apostando no talento, na criatividade e na seriedade de seus objetivos para continuar circulando. Mas todos estão conscientes de que, num mundo globalizado e capitalista, boa vontade e ideologia não são suficientes para mantê-los nas bancas: é preciso profissionalizar as redações e virar um mercado real e seguro para atrair os bons profissionais da imprensa. Carlos Lopes, da Hora do Povo, diz que à medida que as forças e os interesses nacionais e populares cresçam na sociedade, a imprensa que os representa tenderá a crescer naturalmente: — Este é um processo que, aliás, já está em curso há algum tempo — afirma. Luiz Falcão, do jornal A Verdade, sugere que a questão dos recursos seja enfrentada coletivamente e acha que, na área de recursos humanos, a onda de demissões nos grandes jornais favorece os pequenos e médios veículos: — A situação atual impõe uma reflexão que pode fortalecer a imprensa alternativa. A liberdade para expressar opiniões é o principal para um jornalista, e isso o meio alternativo garante.
Nilton Viana, do Brasil de Fato, considera a questão financeira fundamental e se diz favorável à criação da Associação Nacional dos Jornais Alternativos (AJA), movimento lançado no Rio de Janeiro: — Acho a iniciativa muito positiva, pois precisamos de uma entidade que proteja nossos interesses, já que é quase impossível montar um jornal independente sem a ingerência do poder econômico do grande capital. E os veículos alternativos não devem abandonar as bandeiras que levaram ao seu surgimento. Devemos somar esforços para conseguir a viabilidade financeira, mas também devemos continuar lutando pela democratização da comunicação em nosso País. Nas palavras do professor Perseu Abramo, mesmo sem conseguir alcançar todos os seus objetivos a mídia alternativa surgiu como opção ideológica e política da classe trabalhadora frente ao sistema capitalista: — Inegavelmente, foi uma das forças que abalaram a ditadura e abriram perspectivas de mudanças democráticas que ainda estão por se realizar.

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